Tião Paineiras de Tiradentes/MG.
Foto: Lidio Parente.
Os Guardiões da Cultura Popular.
Por Benita Prieto.
Falar em literatura oral no Brasil é falar de um país que
muitas pessoas supõem que não mais existe. O processo de desenvolvimento fez
com que várias manifestações culturais deixassem de ser entendidas como tal.
Vejamos o caso do Carnaval, possivelmente a maior festa popular do mundo, nela
os foliões entregam-se aos seus desejos genuínos e primitivos sem saber que
refazem, talvez atavicamente, o mesmo que fizeram todas as gerações passadas.
Especificamente com relação à literatura oral, andamos nos
afastando também por acreditar que tudo são “causos”, lendas, superstições. Mas
se temos a oportunidade de sentar ao redor de uma fogueira, toda essa
ancestralidade nos penetra e logo passamos a contar as histórias ouvidas dos
nossos avós.
A literatura oral está conotada com o passado de gerações e
famílias. Nosso país tem uma miscigenação enorme e que varia de acordo com a
região brasileira, pois somos a mistura de povos europeus, africanos, indígenas
e asiáticos. Esse caldeirão de culturas possibilita a existência de muitas
comunidades narrativas. Se tomarmos como exemplo uma favela do Rio de Janeiro
sabemos que ali podemos ter histórias de várias partes do Brasil, devido à
migração interna na busca de melhores condições de vida. Por isso, é
fundamental fomentar nos jovens o desejo de preservar as histórias que são
particulares da comunidade narrativa a que pertencem. Eles devem ser
estimulados para que tragam as histórias que conhecem e passem a contá-las em
todos os espaços possíveis. E aí podemos incluir a tv, o rádio, a internet, o
cinema. Os jovens são sem dúvida o nosso maior investimento para a continuidade
desse elo, neles devemos apostar.
Mas é preciso ter técnica para fazer a recolha dos contos. É
importante não interferir na hora da narração, coletar o conto no local onde
normalmente é contato e não acreditar na memória ou na própria escrita,
gravando tudo para a futura transcrição. Existem muitos livros que mostram
textos recolhidos onde em primeiro lugar está o texto tal qual foi dito pelo
contador é a seguir vêm uma tradução ou versão feita pelo pesquisador. Essa é
uma boa maneira de registro. Claro que o contador popular pode sofrer
interferência da platéia, seguindo outros rumos na hora da narração, mas sempre
haverá uma estrutura mínima respeitada por ele. Essa estrutura, juntamente com
a dicção que foi preservada, será a nossa fonte de estudo e a nossa matriz.
Pena que a escola, no nosso país, normalmente é muito
preconceituosa com todas as manifestações populares. Podemos incluir nesse
pensamento desde a escola elementar até a universidade. A literatura oral não é
valorizada ou então é minimizada a mais simples estrutura possível. Imaginem se
podemos dizer que o lobisomem possa representar, num país continental como o
Brasil, todos os personagens do folclore que são peludos e comem gente. É uma
redução apenas para dizer que o folclore está sendo ensinado na escola e ainda
num determinado mês do ano, o de agosto, que tem no dia 24 a sua comemoração..
Como se nos outros dias não usássemos os ensinamentos recebidos das gerações
que nos precederam. O problema é um total desconhecimento da importância do
tema.
É bom lembrar que existe um diálogo entre a literatura oral
e a literatura escrita. Os grandes escritores do mundo bebem de suas fontes
naturais, constroem releituras, alargam visões. E no Brasil tivemos alguns
autores/pesquisadores que contribuíram de forma decisiva nesse diálogo. Temos
várias gerações criadas com a literatura mágica e essencialmente brasileira de
Monteiro Lobato, o criador do sítio do pica-pau amarelo. Temos também Mário de
Andrade e Luís da Câmara Cascudo, cada qual do seu jeito, valorizando os
saberes do povo para construir no nosso imaginário a força da narrativa. O
ideal é nunca fechar as portas do coração, nunca esquecer a aldeia de onde
viemos.
Já que não dá para fazer uma divisão entre literatura oral e
literatura escrita os contadores de histórias urbanos podem aproximar esses
dois mundos, colocando a literatura escrita ao redor de uma fogueira mítica e
valorizando a literatura oral dando-lhe o status de saber.
O escritor João Guimarães Rosa, questionado numa entrevista
ao contar sobre seu processo de criação, revela: “Os homens do sertão, somos
fabulistas por natureza. Está no sangue narrar histórias; já no berço recebemos
esse dom para toda a vida. Desde pequenos, estamos constantemente escutando as
narrativas multicoloridas dos velhos, os contos e as lendas, e também nos
criamos em um mundo que às vezes pode se assemelhar a uma lenda cruel. Deste
modo à gente se habitua, e narra estórias que correm por nossas veias e
penetram em nosso corpo, em nossa alma, porque o sertão é a alma de seus
homens. Assim, não é de estranhar que a gente comece desde muito jovem”.
Tudo o que foi descrito anteriormente só vem reforçar a
importância do trabalho dos contadores de histórias para a preservação das
culturas populares e a aproximação da população à leitura.
Mas como não há no Brasil uma formação específica na arte de
contar histórias o interessado tem que ser autodidata. Precisa ler muito, fazer muitas oficinas,
ver muitos contadores, descobrir o seu estilo de contar, o gênero de história
que lhe dá prazer. Evitar copiar o repertório que vê, buscar novas fontes,
trazer outros olhares. E principalmente usar os seus próprios recursos. Cada
contador tem suas sutilezas na hora de narrar. Por isso a mesma história pode
ser contada de várias maneiras e todas serão belas desde que haja a entrega de
quem conta.
Somos contadores na essência, estamos durante toda a vida
construindo histórias. A narrativa faz parte do dia a dia. Um olhar para dentro
pode ser o estopim dessa arte em cada um de nós.
Porém o mais importante é entender que a literatura oral é
para ser brincada, dividida, compartilhada. Sejamos, portanto, solidários na
vida e nos contos. De mãos dadas vamos atravessar o caminho onde nossas
histórias se cruzam, se completam e se constroem.
Texto e foto reproduzidos do blog: falandodeleitura.blogspot
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