Patativa do Assaré – o poeta do sertão
O poeta da roça
Sou fio das mata, cantô da mão grossa,
Trabáio na roça, de inverno e de estio.
A minha chupana é tapada de barro,
Só fumo cigarro de páia de mío.
Sou poeta das brenha, não faço o papé
De argum menestré, ou errante cantô
Que veve vagando, com sua viola,
Cantando, pachola, à percura de amô.
Não tenho sabença, pois nunca estudei,
Apenas eu sei o meu nome assiná.
Meu pai, coitadinho! vivia sem cobre,
E o fio do pobre não pode estudá.
Meu verso rastêro, singelo e sem graça,
Não entra na praça, no rico salão,
Meu verso só entra no campo e na roça
Nas pobre paioça, da serra ao sertão.
Só canto o buliço da vida apertada,
Da lida pesada, das roça e dos eito.
E às vez, recordando a feliz mocidade,
Canto uma sodade que mora em meu peito.
Eu canto o cabôco com suas caçada,
Nas noite assombrada que tudo apavora,
Por dentro da mata, com tanta corage
Topando as visage chamada caipora.
Eu canto o vaquêro vestido de côro,
Brigando com o tôro no mato fechado,
Que pega na ponta do brabo novio,
Ganhando lugio do dono do gado.
Eu canto o mendigo de sujo farrapo,
Coberto de trapo e mochila na mão,
Que chora pedindo o socorro dos home,
E tomba de fome, sem casa e sem pão.
E assim, sem cobiça dos cofre luzente,
Eu vivo contente e feliz com a sorte,
Morando no campo, sem vê a cidade,
Cantando as verdade das coisa do Norte.
- Patativa do Assaré, em "Cante lá que eu canto
cá". [Filosofia de um trovador nordestino].. (Organização Antônio
Gonçalves da Silva). 5ª ed., Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1984. (grafia
original).
Antônio Gonçalves da Silva (Serra de Santana CE, 5 de março
de 1909 - Assaré CE 2002). Poeta e repentista. Filho dos agricultores Pedro
Gonçalves Silva e Maria Pereira Silva, muda-se com a família, pouco depois de
seu nascimento, para uma pequena propriedade nas proximidades de Assaré, Ceará.
Em 1910, o poeta perde parcialmente a visão do olho direito, sequela de um
sarampo. Com a morte do pai, em 1917, auxilia no sustento da casa, trabalhando
em culturas de subsistência e na produção de algodão.
Frequenta a escola por apenas seis meses e descobre a
literatura por meio de folhetos de cordel e de repentistas. Adquire um violão
em 1925 e passa a dedicar-se à composição de versos musicados. Viaja, em 1929, para Fortaleza e frequenta os
salões literários do poeta Juvenal Galeno (1836 - 1931). Do Ceará parte para
Belém, onde conhece o jornalista também cearense José Carvalho de Brito,
responsável pela publicação de seus primeiros textos no jornal Correio do
Ceará. Deve-se a Brito a alcunha de Patativa, utilizada pela primeira vez no capítulo
que lhe dedica em seu livro O Matuto Cearense e o Caboclo do Pará. A estreia de Assaré em livro ocorre em 1956,
no Rio de Janeiro, com a publicação de Inspiração Nordestina, incentivado pelo
latinista José Arraes de Alencar. Com a gravação, em 1964, de Triste Partida,
por Luiz Gonzaga (1912 - 1982), e de Sina, em 1972, pelo cantor Raimundo Fagner
(1949), amplia-se a visibilidade de sua obra. Em 1978, lança Cante Lá que Eu
Canto Cá e se engaja na luta contra a ditadura militar. No ano seguinte, volta
a morar em Assaré.
"Ah! O sertão é... o sertão é a riqueza natural que nós
temos... é o ponto melhor da vida, para quem sabe ver é o sertão, pois ali tudo
o que a natureza cria, tudo que é belo, que é bom, que é puro, nós temos pelo
sertão[...] o diamante antes de ser lapidado... porque o diamante só é alguma
coisa depois dele ser lapidado. Aí é que ele vai brilhar[...] mas o sertão é
puro, tão puro quanto o diamante antes de seu trabalho[...]"
- Patativa do Assaré, em "Patativa do Assaré – Digo e
não peço segredo". (Organização e prefácio Luiz Tadeu Feitosa). São Paulo:
Editora Escrituras, 2001, p. 21 e 25.
Texto e imagens reproduzidos do site: bit.ly/2q9fpmt
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